O Conselho Municipal de Defesa e
Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente – COMDICA – fez a entrega da
“CARTA DO COMDICA-RECIFE AOS PARLAMENTARES FEDERAIS DE PERNAMBUCO” ao senador
Humberto Costa (PT) na do dia 10 de abril. O documento faz parte de um
esforço conjunto entre as entidades da sociedade civil e órgãos do poder
público municipal e foi construído com subsídios técnicos formulado para
orientar o voto contrário à Emenda Constitucional 171/1993 - cujo
objetivo é a redução da maioridade penal para 16 anos. O evento marca o Dia
Nacional de Luta Contra a Redução da Maioridade Penal, lembrado em todo
Brasil por uma série de manifestações.
Todos os 25 deputados federais e três
senadores da bancada pernambucana foram convidados a participar do evento e só
o senador do PT compareceu ao ato. José Rufino da Silva, presidente do
COMDICA, lembra que a sociedade deve ficar atenta as discussões da
Maioridade Penal no Brasil. Para Rufino, o COMDICA é extremamente contrário ao
PEC 171/93 por acreditar que a emenda não é a solução para o fim da violência.
Segundo ele, apesar do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estar prestes
a completar 25 anos desde a sua promulgação, ainda é muito desconhecido de
grande parte da sociedade.
Já o senador Humberto Costa, apesar
de votar contrário à diminuição da Maioridade Penal, acredita que muitos
deputados federais devem votar a favor da PEC. Costa se comprometeu a abraçar
fortemente a causa. “Acredito que no Senado é mais difícil de ser aprovada”,
afirmou o senador.
CARTA DO
COMDICA-RECIFE AOS PARLAMENTARES DE PERNAMBUCO
Recife, 10 de abril de 2015.
AOS/À
Excelentíssimos/A
Senhores/A
parlamentares do
Estado de Pernambuco
O Conselho Municipal de Promoção e Defesa dos
Direitos da Criança e do Adolescente de Recife – COMDICA-Recife -, vem, por
meio da presente, na qualidade de órgão formulador e controlador da política de
atendimento à criança e ao adolescente da capital do Estado de Pernambuco,
manifestar-se com extrema preocupação diante da aprovação da admissibilidade do
PEC 171/1993, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal, no
último dia 31/03/2015, bem como expor alguns importantes argumentos que
sustentam nosso pleito de que Vossas Excelências, na qualidade de
representantes legitimamente eleitos/as por Pernambuco, VOTEM CONTRA A PROPOSTA DE REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL, BEM COMO DO
AUMENTO DO TEMPO DE INTERNAÇÃO PARA ADOLESCENTES A QUEM SE ATRIBUI A PRÁTICA DE
ATO INFRACIONAL quando tais matérias forem submetidos à Plenária.
Inicialmente,
devemos registrar que se trata de um assunto que envolve uma realidade
sócio-histórica de extrema complexidade e que merece a maior atenção possível
por parte de Vossas Excelências no exercício da missão conferida a vós pelo
povo recifense e pernambucano para esta legislatura. Atividade de tal
envergadura não deve ser exercida sob o calor da emoção ou de forma irrefletida,
haja vista a grande repercussão que a edição de determinado dispositivo
normativo exerce perante a sociedade e, em especial, alguns indivíduos que a
ela pertencem. Confiantes de que Vossas Excelências possuem tal consciência é
que expomos a seguir argumentos que sustentam o pleito que ora lhes dirigimos.
Os artigos 227 e 228 da Constituição Federal
de 1988 são frutos de Emendas
Populares, construídas a partir de ampla mobilização da sociedade
brasileira, durante o processo constituinte de 1987, envolvendo os próprios
sujeitos aos quais se destinam, representados pelo Movimento Nacional de
Meninos e Meninas de Rua. Os mesmos expressam um avanço civilizatório e um compromisso assumido pelo Estado
Brasileiro perante a comunidade internacional como signatário da Convenção Sobre os Direitos da Criança
(aprovada pela ONU em 1989), bem como o anseio da sociedade brasileira de
deixar para trás na história a chamada Doutrina da Situação Irregular, expressa
pelo Código de Menores de 1979. Sendo assim, em 1990, tais dispositivos foram
regulamentados pela legislação especial à qual se referem, qual seja a Lei
Federal 8.069, de 13 de julho de 1990, denominada de Estatuto da Criança e do
Adolescente – ECA. Tais dispositivos legais, no contexto da nova Doutrina da Proteção
Integral, afirmam, sobretudo, a igualdade de todos/as crianças e adolescentes
brasileiros/as, independentemente de qualquer condição sócio-econômica,
étnico-racial, de gênero, orientação sexual, deficiência, etc. O Brasil os/as reconhece como sujeitos de
direitos e responsabilidades que possuem uma condição peculiar de sujeito em
desenvolvimento e, dessa forma, merecedores/as de proteção especial, com prioridade
absoluta, contra qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão! E, ainda mais, enquanto dever da garantia da aludida proteção integral, a Constituinte encarregou
a família, a sociedade e o Estado –
não ficando isentos dessa responsabilidade nenhum de nós adultos!
Lamentavelmente,
apesar do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estar prestes a completar
25 anos desde sua promulgação, neste ano, ainda é muito desconhecido de grande
parte da sociedade, razão pela qual sua plena implementação, à luz da própria
Constituição Federal de 1988, ainda se encontra muito distante. Mesmo assim,
muitos/as daqueles/as que desconhecem a Lei 8.069/1990 ou seu próprio sentido
insistem em propagar perante a sociedade ideias errôneas a seu respeito, que
costumam ter sua repercussão ampliada através dos meios de comunicação. O que
queremos chamar a atenção, nesse momento, é que a atividade legislativa não se
deve pautar por esse mesmo senso comum, tão difundido perante a sociedade.
Ora,
muito se diz que adolescentes que cometem algum ato infracional ficam impunes,
o que é uma falácia, haja vista que o próprio ECA prevê medidas que vão desde a
advertência até a internação desses adolescentes, de
acordo com a gravidade e as circunstâncias de cada caso. No entanto, a
qualidade de tais medidas denominadas de socioeducativas tem deixado muito a
desejar, em grande parte do país, pelo baixo investimento dos diversos entes da
federação encarregados da sua execução. Da mesma forma, a falta ou baixa
qualidade de formação de grande parte dos quadros de funcionários que executam as
medidas socioeducativas tem causado uma distorção na realidade, distanciando-as
de um caráter pedagógico perante os/as adolescentes e reforçando o viés
puramente punitivo, que tem gerado, inclusive, a ocorrência de tortura dentro de grande parte das
Unidades Socioeducativas de Internação, denunciadas em diversos documentos
oficiais, de diversos órgãos como: Relatórios do CNJ, CNMP, OAB, CFP, ANCED,
etc.
Diante
da reprodução de extrema violência fora ou dentro dos muros dessas Unidades
Socioeducativas contra os/as adolescentes e jovens em cumprimento de medidas
socioeducativas, o cenário tem sido de desalento, com mortes e extermínio, fora
ou dentro dessas Unidades. Sendo tratados de tal forma, adolescentes e jovens
também reproduzem essa mesma lógica da violência no seu meio social, gerando
maiores índices de reincidência na prática de atos infracionais.
No
entanto, esse nível de reincidência
diminui consideravelmente quando aplicadas de forma adequada as chamadas
Medidas em Meio Aberto (Liberdade Assistida, Prestação de Serviços à
Comunidade), as quais são de atribuição da esfera municipal e devem ser
apoiadas financeira e tecnicamente pelos Estados e União. Esse é o caminho
apontado pela Lei 8.069/1990, bem como pela Lei 12.594, de 18 de janeiro de
2012, denominada Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo –
SINASE. Uma possibilidade de
transformação da vida de adolescentes e jovens é bastante remota sem se
trabalhar efetivamente não só esse próprio sujeito, sua família e comunidade na
qual está inserido, a partir da geração de novas oportunidades de estudo
formal, profissionalização, lazer, esporte, cultura! Em função disso é que
a própria Lei do SINASE já aponta o horizonte de trabalhar os conflitos gerados
pela prática de um ato infracional sob a ótica da Justiça Restaurativa, buscando uma assunção da responsabilidade por
parte do/a adolescente/jovem pelo seu ato, bem como a reparação do dano
eventualmente causado à vítima ou à comunidade/sociedade, indiretamente
afetada. Essa nova forma de aplicação da justiça tem sido incentivada pelos
organismos internacionais e o próprio Conselho Nacional de Justiça – CNJ -, em
função de que diversos estudos e documentos de práticas já existentes, em todo
mundo e no Brasil, já demonstraram o seu maior grau de efetividade na resolução
dos conflitos.
Sendo
assim, o que queremos demonstrar é o enorme
retrocesso histórico que a aprovação da PEC 171/1993 ou de seus
correlatos (que visam a redução da maioridade penal ou aumento do tempo de
internação), trariam ao Brasil, que tem
o Estatuto da Criança e do Adolescente como uma legislação reconhecida
internacionalmente como progressista e adequada ao tratar dos direitos desse
segmento. Ainda mais se considerarmos que, neste ano, essa legislação
completará 25 anos desde sua promulgação, o que, em termos históricos, ainda
não expressa de forma significativa as mudanças almejadas pela sociedade
brasileira com a sua edição, principalmente, por ser tão pouco conhecido,
conforme já expusemos.
Basta
observar através dos dados oficiais existentes que grande parte dos/as
adolescentes e jovens em cumprimento de Medidas Socioeducativas no Brasil
apresentam baixíssimo nível de escolaridade formal e, portanto, revelam a
grande omissão que nós, enquanto família, sociedade ou Estado, tivemos com a
garantia de direito tão fundamental, que é a educação. O que esperar enquanto sociedade se não conseguimos garantir o nível
básico de cidadania às nossas crianças e adolescentes e esses/as continuam a
crescer sem mal saber escrever seus nomes? Como poderemos responsabilizar
unilateralmente a eles/as próprios/as e suas famílias, em tamanha condição de
vulnerabilidade e risco social, esquecendo-nos do dever da sociedade e do
Estado para com os/as mesmos/as?
Cremos,
portanto, que fica demonstrado, por diversas razões, que o caminho a
perseguirmos enquanto sociedade é diametralmente oposto ao que vem sendo
proposto pelos projetos que visam à redução da maioridade penal ou ao aumento
do tempo de internação, garantindo-se a todas/os crianças e adolescentes
brasileiras/os as condições necessárias para o seu pleno desenvolvimento
enquanto pessoa, formando-se cidadãos conscientes da responsabilidade de seus
atos e tendo garantidas as condições para que enquanto futuros jovens e adultos
também possam educar seus filhos dentro dos mais elevados padrões éticos,
construindo uma nação próspera perante as futuras gerações! Esse é o tamanho da responsabilidade que a
sociedade recifense e pernambucana delegou a Vossas Excelências, no exercício
dessa legislatura, a fim de que não haja qualquer retrocesso histórico
no caminho que vem sendo percorrido, mas sim maior celeridade da implementação
do que preconizam o Art. 227, CF 88, bem como a Lei 8.069/1990 (ECA),
garantindo-se recursos públicos, com prioridade absoluta (Art. 4º, parágrafo
único, alínea d, ECA)!
Cordialmente,
Conselho Municipal de Promoção e Defesa
dos Direitos da Criança e do Adolescente de Recife – COMDICA-Recife